terça-feira, 14 de junho de 2011

A alegria vai passar...

Por Luciene Almeida

Dia desses peguei ônibus com um palhaço. Seu nome era Esparadrapo e ele vendia trufas de chocolate para ajudar um hospital que cuida de crianças com câncer.

Enquanto ele caminhava no meio do povo tentando se equilibrar, gritava repetidas vezes: “A alegria vai passar!”...

Fiquei imaginando a confusão que daria se aquelas trufas se espalhassem dentro do bus. O que ia ter de criança gritando para pegar chocolate...

Não bastasse o amontoado de gente disputando o mesmo metro quadrado, pra piorar aparece o palhaço tumultuando ainda mais. E não é exagero, não! Quem depende de transporte público sabe do que estou falando.

A superlotação de ônibus tornou-se praticamente a senzala do século XXI!

De manhã e de noite, lá estamos nós, pagando caro para irmos direto ao Pelourinho. Uns dependurados e tristes. Outros sentados e alegres. Aliás, tem uns indivíduos tão alegres pela manhã que dá até raiva! E o cobrador? Esse é outro chato que adora reclamar quando o bilhete único dá erro de leitura... E o erro nunca é da catraca. É sempre do passageiro!

Sem falar em problemas mais sérios como: greves, aumento abusivo de tarifa... 

Sei não viu... Será que estamos regredindo para a época do Brasil Colonial? É incrível como ainda somos condicionados por um sistema que nos priva de ter dignidade.

Quanto ao palhaço – fonte inspiradora deste texto – não pude deixar de observá-lo com insistência. Olhei uma, duas, três vezes... Tentei disfarçar, olhar para o lado... Mas meus olhos estavam vidrados naquele nariz vermelho. E também, não era pra menos! Faz tanto tempo que não vejo um palhaço...

Já vi muita gente comercializando produtos nos corredores dos ônibus, como por exemplo: ambulante sem perna vendendo bala de goma; velhinha pedindo dinheiro pra voltar para a Bahia; ex-drogado querendo colaboração para sua clínica de reabilitação... Mas, palhaço vendendo trufas foi a primeira vez.

- Saí da frente que a alegria vai passar! – Ele gritava.

E assim, empurrando daqui e dali, finalmente desceu.

Esse encontro com o palhaço Esparadrapo me fez recordar de uma época em que eu acordava às cinco horas da madrugada para entrar no trabalho às 7h. Eu enfrentava uma jornada intensiva e ainda ia para faculdade. Dormia somente 4 horas por noite.

Algumas vezes, por causa da exaustão do dia anterior, entrava no ônibus e quando vazio (coisa rara) sentava em qualquer lugar, sem ao menos observar se era preferencial. Precisava aproveitar aqueles minutos para dormir. Se aparecesse algum idoso ou gestante na minha frente, me dava uma depressão e eu começava a chorar. O que realmente me motivava a continuar nessa rotina alucinante era saber que em breve teria uma profissão. Profissão esta, que hoje qualquer um pode exercer sem apresentar diploma ou sem ter que passar por nada do que passei. Enfim...

Frustrações a parte, com relação a minha experiência particular com a senzala do século XXI; o encontro inesperado com o palhaço Esparadrapo e meus devaneios sobre a época da faculdade, devo dizer que aprendi algumas lições importantes.

A primeira delas é que: dependendo das circunstâncias da vida, estamos fadados a abraçar a escravidão. Segunda: dependendo da profissão que escolher, você correrá o sério risco de receber no lugar do diploma, um maravilhoso ou odioso nariz de palhaço. Terceira e última: Palhaço também pode ser profeta. O Esparadrapo profetizou:

- A alegria vai passar!

E passou mesmo...

4 comentários:

Kelly disse...

Eh, me bateu uma leve depressão....porque passo por este perrengue todo dia, embora não me encaixe na categoria estudante... mais o fato é que todos somos palhaços deste sistema de merda.
Vixi...Otimo texto mais muito realista!

Luciene Almeida disse...

Kelly,
Não fica triste não...
Veja pelo lado bom, somos palhaços do sistema, mas pelo menos não nos obrigam (ainda) a pintar a cara.
Exceto 'naquela' Festa Junina...rsrsrs
beijo,
Lu

edi disse...

Eu, gostei e acho que sou meio doida porque não vejo as coisas como os outros veem.

relaxa pessoal que as coisas ficam mais fáceis.

Um grande abraço....

Luciene Almeida disse...

Edi,
Só espero que ninguém corte os pulsos depois de ler este texto. Até mesmo porque ele não é tão dramático assim...