O
medo atual de morrer e de envelhecer faz parte do neonarcisismo. Nos
sistemas personalizados, então resta apenas durar o máximo possível e
divertir-se, aumentar a confiabilidade do corpo, ganhar tempo e ganhar a
“corrida” contra o tempo. Permanecer jovem, não envelhecer: é o mesmo
imperativo da funcionalidade pura, o mesmo imperativo da reciclagem, o
mesmo imperativo da dessubstanciação que impede a manifestação dos
estigmas do tempo a fim de dissolver as heterogeneidades da idade.
O
corpo psicológico substituiu o corpo objetivo e a tomada de consciência
do corpo a respeito de si mesmo tornou-se a própria finalidade do
narcisismo. O culto ao corpo leva a uma cultura da personalidade. O
interesse febril que temos pelo corpo não é, de modo algum, espontâneo e
“livre”, pois obedece a imperativos sociais, tais como linha, forma,
orgasmo...
O narcisismo enfraquece a capacidade de lidar com a vida social, torna impossível toda distância entre o que se sente e o que se exprime. É aí que se encontra a armadilha, pois quanto mais os indivíduos se libertam das regras e dos costumes em busca de uma verdade pessoal, mais seus relacionamentos se tornam fratricidas e associais.
Sempre exigindo mais imediatismo e mais proximidade, esmagando o outro sob o peso das confissões pessoais, deixamos de respeitar a distância necessária para manter o respeito pela vida particular dos demais: o intimismo é tirânico e incivilizado. A civilidade é a atividade que protege o eu dos outros e nos permite o prazer a companhia das demais pessoas.
A sociabilidade exige barreiras, regras impessoais que são a única coisa capaz de proteger os indivíduos uns dos outros;
onde, ao contrário, reina a obscenidade da intimidade, a comunidade
viva se despedaça e as relações humanas se tornam destruidoras.
A fraternidade nada mais é do que a união de um grupo seletivo que rejeita todos aqueles que não fazem parte dele... A fragmentação e as divisões internas são o produto da fraternidade moderna.
Trechos do livro "A Era do Vazio" de Gilles Lipovetsky.