Contos

Pastel de feira
Desejo de mulher grávida

Por Luciene Almeida


Na favela de Paraisópolis vivia Juscelino e Jacira, um casal muito simpático que estava esperando o 4º filho. Juscelino achava que seria menino e até o nome da criança havia escolhido: Juscelino José Júnior. Sua esposa, no entanto, tinha predileção por mais uma menina, à qual desejava chamar Jacimira Jéssica.


A casinha de Jacira e Juscelino tinha vista privilegiada para o Morumbi. Pelo menos, era o que Juscelino gostava de enfatizar toda vez que reunia os amigos pra aquele churrasquinho de laje. Em um desses magníficos edifícios morava Sophia, uma mulher linda, grávida e vivendo toda plenitude de seus 29 anos.

Curiosamente, Jacira e Sophia vivenciavam as mesmas tribulações da gestação: enjoos, crises de choro, ataques de fúria... Em outras palavras, passavam por aquele período em que a mulher esquece (por tempo indeterminado) sua natureza humana e passa a se comportar como mutante. Claro que esta regra não se aplicava totalmente à Sophia, que acima de qualquer desconforto, esbanjava sensualidade até mesmo na hora de arrotar. Em compensação Jacira parecia cada vez mais com um filhote-de-cruz-credo.


Enquanto Sophia reservava as tardes de sexta-feira para tomar banhos relaxantes com sais importados; Jacira tomava banho de caneco porque naquele dia havia faltado água em seu bairro. Enquanto Sophia pedalava em sua bicicleta ergométrica e controlava o batimento cardíaco dela e do bebê; Jacira corria atrás do caminhão de gás para garantir o arroz com feijão do dia seguinte. E, finalmente, enquanto Sophia se deliciava na hora do almoço com  os pratos requintados do Fasano; Jacira improvisava um pão com maionese e rezava pra não ter nenhum desarranjo intestinal ao longo do dia.

Desse modo, as barrigas cresciam...


Perto de completarem oito meses de gestação, ambas tiveram um desejo louco de comer pastel de feira. Para Jacira nenhum problema, pois a melhor barraca de pastel que conhecia ficava em Paraisópolis. Era a popular barraca “Pastel-da-Boca” e ficava a poucos minutos de sua casa. Já para Sophia realizar este desejo seria praticamente uma questão de vida ou morte. Contudo, estava disposta a fazer qualquer sacrifício pelo tal pastel, que segundo sua empregada era o melhor da região.


Muito bem. Era uma quarta-feira, por volta das 13 horas da tarde e coincidentemente Sophia e Jacira estavam sentadas na mesma barraca de pastel, sendo separadas unicamente por Alfredo, um gordão que conseguia comer cinco tipos de pastéis ao mesmo tempo e ainda tomar caldo de cana.  Enfim...


Na hora de fazer o pedido, Sophia levantou o dedo e pediu delicadamente:
- Senhor pasteleiro, por gentileza, um pastel de bacalhau com azeitonas verdes.

Jacira morrendo de fome e totalmente descabelada berrou de sua mesa:
- DOIS DE CARNE MOÍDA COM OVO COZIDO PELO-AMOR-DE-DEUS!!!

O pasteleiro fez questão de priorizar os pastéis das gestantes. Infelizmente, isso deixou Alfredo muito bravo. Afinal, ele tinha encomendado o sexto pastel com bastante antecedência, além disso, a paciência não era uma de suas virtudes.  Portanto, na hora que o pastel de Sophia ficou pronto Alfredo levantou na frente e pegou pra ele.


Jacira, que já conhecia Alfredo de outros carnavais, pediu que devolvesse o pastel. Ele se negou e ainda lambeu cada pedacinho do salgado, provocando uma forte ânsia em Sophia.


- Ah, é assim? Você quer luta livre? – Jacira questionou já partindo para a agressão física.


Muitos chutes depois e após nocautear o gordão, ela devolveu o produto intacto à sua legítima dona. Essa gentileza provocou sentimentos conflitantes em Sophia, que a principio ficou feliz com a atitude de Jacira e na sequência vomitou no pé dela.

O pasteleiro - que era simpático, mas não otário - para evitar que Alfredo saísse de mansinho sem pagar a conta, pôs ordem na boca, digo, na barraca dando alguns disparos com sua PT - Calibre 38.
Felizmente ninguém desmaiou ou saiu ferido (nesse dia).

Ambas, que não haviam saciado o desejo de comer pastel voltaram à barraca num outro dia e tiveram a oportunidade de começar uma bela amizade. Quem puxou conversa foi Sophia:

- Nossa... Estou exausta com esta barriga e ainda mais agora que tive que trocar de carro. É tão cansativo ficar toda hora se adaptando às mudanças...


Jacira que não queria ficar por baixo comentou sua experiência recente.

- Eu também não agüento mais essa vida de ter que trocar de ônibus. Um dia eu pego o Vila Olímpia, outro dia o Ana Rosa, acho que o melhor mesmo é ir trabalhar de lotação. É muito mais rápido!


Sophia gostou de Jacira e quis saber detalhes da gestação dela.

- Me diga... O que você está passando na barriga para evitar as estrias?


- Óleo de cozinha mesmo. E você? – respondeu Jacira.

- Óleo de Amêndoas importadas – comentou Sophia.

Jacira fez cara de nojo, mas rapidamente disfarçou. Sophia voltou a perguntar:

- E para evitar manchas no rosto, o que você está usando?

- Pasta de dente.

- Sério? Nossa! Nunca experimentei. Será que é bom? – questionou Sophia.

- É uma ma-ra-vi-lha! Você vai ver que beleza sua pele vai ficar. No cabelo, então...


Até que elas tinham algo em comum: vaidade feminina. Embora, cada uma à sua maneira.

O tempo passou e finalmente chegou a hora de terem os bebês. Sophia ganhou o seu em uma maternidade chiquérrima de São Paulo. E Jacira teve o seu na barraca de pastel por causa de outra briga que teve com Alfredo. Excluindo o fato de que Alfredo foi o parteiro de Jacira, nada de extraordinário aconteceu no nascimento de sua outra filha. Ao contrário de Sophia, que teve um belo menino e foi presenteada com arranjos de flores exóticas.  


Atualmente, mamães e bebês passam bem.

E a lógica dessa história é bastante simples: Não interessa o bairro onde você mora, tão pouco as diferenças sociais. No final, todo mundo acaba se encontrando na barraca do pastel de feira, que além de mais barato é o mais gostoso com toda certeza!






Um comentário:

*-* GI *-* disse...

Adorei o texto...
eu tbm adoro um pastel de feira...
bjossss